Histórias & Causos

Antiquários – Aprendizado Contínuo dos Fundadores do Brique

Por Rogerio Becker - Antiquário

De mãe para filho

Foto: www.briquedaredencao.com.br
A minha mãe entrou aqui por 79, eu nasci em 81 e sempre a acompanhava. Na época era do outro lado da rua, onde tem a escola de balé ali ficava nossa banca. A partir dos seis ou sete anos, ela colocava uma mesa com gibis antigos - era mais uma brincadeira pra eu ficar ali me distraindo - mas eu ficava ali realmente vendendo os gibis. Depois eu trabalhei com ela mais seriamente, pra ganhar algum troco e ajudar até os 13, 14 anos. Mais tarde passei a trabalhar de restaurador na loja e aprendi a restaurar antiguidades. Primeiro aprendi a restaurar móveis, depois cristais, porcelana e a mexer com prata, metal e ouro.

Tive toda essa formação lá dentro. Com o tempo ela me ensinou a comprar mercadorias e a reconhecer, na verdade eu passei a vida inteira trabalhando com isso e após o falecimento dela - veio a falecer em 2002 - eu herdei o box e segui o trabalho porque eu já era auxiliar. De lá pra cá já faz 11 anos que eu estou no Brique como titular e segui esse trabalho todo. Antiquário é uma profissão que não existe faculdade, o cara aprende com o tempo. Se eu for contar, desde os meus 10 anos, eu vou fazer 32, já faz 22 anos que eu trabalho com isso e é um aprendizado contínuo.  Não tem como o cara dominar tudo porque tem uma gama bem ampla, se eu trabalhar 50 anos mais sempre vou estar aprendendo.

A gente não tem loja, trabalhamos com eventos, domingo a gente faz o Brique e sábado a gente faz o Museu do Trem, em São Leopoldo. É um evento nobre e uma ou duas semanas por mês eu faço o Mercado Público. Praticamente todas essas feiras que se formaram no Rio Grande do Sul vieram depois do Brique, alguém saiu daqui e fez.  Tem vários antiquários em Porto Alegre que trabalharam muitos anos no Brique e depois que ganharam bastante dinheiro saíram ou abriram lojas. Aquela feira no Cidade Baixa também se criou a partir daqui. A feira de rua dos Antiquários foi criada não para ser contínua.

O Surgimento da Feira

No início a feira surgiu para comemorar o aniversário de Porto Alegre. Tinha um pessoal que simpatizava com as feiras de Montevideo e da Argentina e então eles até convidaram pessoas lá do Uruguai para formar isto aqui e alguns estão aqui até hoje. Existia uma feirinha na Praça da Alfândega que o pessoal botava selos e moedas e esse pessoal foi convidado a vir para cá. Primeiro era só naquele primeiro canteiro, depois teve uma crescida, tinha demanda, na sequência encolheu porque na época da ditadura, aquele canteiro ali da Santana - o Colégio Militar, não permitia e o artesanato era na outra quadra, depois que o Arte na Praça ocupou aquilo ali. Depois que acabou a ditadura foram se ocupando os espaços.

Na época em que não havia o antiquário aqui, o Pujol e o Vilela, que colecionavam antiguidades, foram convocados por essa gestão (prefeitura) para formar isto aqui. Eu acho que a ideia inicial partiu mesmo do poder público, o Vilela era prefeito e o Pujol, secretário de alguma coisa, não lembro se era da SMIC. Em princípio se discutia qual seria o melhor local. Falou-se que poderia ser na Travessa da Paz nos dois lados da rua, na época se chegou a conclusão que teria que ter mais gente para participar, do contrário não iria crescer, e se decidiu fazer no túnel verde, o túnel era bem fechado e se pensou que teria lugar para se expandir.


A feira sempre aconteceu aos domingos, desde 1978. O nome Brique vem do francês comércio de antiguidades, colecionáveis e usados. Logo no início se pensou que seria uma feira só de antiguidades, mas depois se pensou que é difícil conseguir muitas antiguidades - o pessoal geralmente tem algumas peças antigas e caras e outras velhas e usadas. Mais tarde, com a feira de artesanato e de artes plásticas, o nome Brique se tornou popular. Até mesmo durante a semana as pessoas vem correr no parque da redenção e dizem: vou correr no Brique. No início o Brique era a feira que funcionava da Santana à João Pessoa, mas, hoje, o Brique é tudo que vai da João Pessoa à Av. Osvaldo Aranha.

Depoimento gravado para o Projeto Brique da Redenção: Resistência e Diversidade Cultural em 26 de maio de 2013

Escritores, Hospitais e Solidariedade
Por Marco Antonio Ribeiro Barbosa, o Paulista - Artesão

Quando a feira iniciou nos idos de 82, nós vínhamos para cá às 8h da manhã e às 11h já poderíamos ir embora, porque às 11h30, quando terminava a missa, não restava mais ninguém, era um deserto. Era como se tivesse dado um temporal e não ficava mais ninguém, não passava carro nem público, não tinha nada. Tudo mudou no dia em que saímos da cerca e viemos para o meio da rua. Foi quando a SMAM, num acesso de genialidade ou de repressão, nos correu do parque. Foi assim a nossa grande alavanca para sair do lado da cerca e vir para o meio da rua. Aconteceu que o público que passava de carro começou a prestar atenção em nós. Então eles passavam de carro e nós estávamos expondo aqui e aí já começaram a parar, chamávamos a atenção e só foi crescendo, crescendo, até se tornar no que é hoje o Brique da Redenção.

Não houve formula mágica, não tivemos receita de sucesso, foi apenas o ato de estarmos aqui insistindo desde o começo. No início acho que ninguém vendia, nem para as passagens (risos). Entre tantos clientes que passaram por aqui, existem várias famílias que estou há três gerações vendendo - vendi para os pais, filhos e agora estou vendendo para os netos. Um dos grandes clientes meus aqui foi o Caio Fernando Abreu. Sempre que ele estava em Porto Alegre vinha numa dessas igrejas com sua mãe, uma senhora bem velhinha que vinha assim bem arqueadinha. Aí ele parava, conversava com aquele jeito calmo, e era um colírio suas palavras.  A presença dele faz muita falta aqui no Brique. Eu estou aqui no Brique desde 1982 com grandes chances de ficar até 2082 (risos).

Outro assunto que eu gostaria de falar é que nós temos que prestar mais atenção aos familiares dos pacientes internados no Hospital de Clínicas e no HPS. Nos momentos de aperto, de amargura, eles vem aqui passear no Brique para levar uma lembrança aos parentes que ficaram lá no interior, também como um meio de relaxar e sair daquela tensão que eles estão, daquele sofrimento. Sempre tem um parente ali com problema de câncer, uma operação grave, então o Brique, para muita gente que está ali no Hospital de Clínicas, serve como uma válvula de escape, um meio de tentar esquecer aquele problema que ele está passando, nem que seja por uns momentos. Para esse tipo de cliente nós temos que dar uma atenção especial, conversar para que ele desabafe. Ser um pouco assim como um analista, um psicólogo.  Isso é muito importante e tu acaba criando vínculo com essas pessoas. Nossa principal meta aqui não é só vender, a venda é importante, mas o vínculo acho que é fundamental.

Depoimento gravado para o Projeto Brique da Redenção: Resistência e Diversidade Cultural em 12 de maio de 2013


Conexão Buenos Aires-Porto Alegre
Por Ariel Ramirez - Artesão

Foto: AP
Entrei na feira em 1992. É assim, a primeira vez que tomei conhecimento do Brique foi em 1986. Estava viajando do Rio de Janeiro para Buenos Aires e fizemos uma escala em Porto Alegre. Na época fazia e vendia bijuterias e aí, a gente acostumado a fazer as feiras de Buenos Aires, viemos expor à tarde no Brique. Só que chegamos tipo às 14h30 da tarde e a feira ia até as 14h, ou seja, não tinha ninguém, nem público havia (risos).

Ficamos só a ver navios, e claro, não vendemos nada. Esse foi o primeiro contato com o Brique. Uns 5 ou 6 meses depois voltei a Porto Alegre e vim passear no Brique de manhã. Percorri toda a feira e achei uma peça muito engraçada. Era uma peça de cerâmica que tinha um queijo, um salaminho e uns camundongos encima do queijo, ou saindo pelos furos do queijo, outros comendo, achei muito divertido e comprei. Depois de quase 5 ou 6 anos quando, eu entrei no Brique, e esse artesão que confeccionou a peça, o Raul Winter (hoje nas artes plásticas), passou a ser meu vizinho e amigo. Comentando com ele sobre aquela peça, lembrou que eu tinha comprado alguns anos atrás. É incrível, ele se lembrou.  Entrei na feira em 1992 e de lá pra cá aconteceram muitas histórias, algumas engraçadas, outras nem tanto.

Agora vou falar outra coisa, pra mim, o Brique da Redenção é muito importante, porque com ele sustento minha família. Eu consegui crescer não só como artesão, também economicamente. Eu acho que no Brasil é o melhor ponto de venda de artesanato que existe, não existe outro igual, seja inverno ou verão, com chuva, sem chuva. Tenho bons colegas, outros nem tanto, mas são colegas (risos). Eu estou bem entrosado com todo mundo, é uma feira que eu gosto e acho que enquanto eu não morrer, vou ser artesão e depender deste ponto de venda.

Depoimento gravado para o Projeto Brique da Redenção: Resistência e Diversidade Cultural em 05 de maio de 2013 

Aprendizes e Mestres
Por Adma Corá – Artesã

Foto: AP
Trabalho com cerâmica há 35 anos. Comecei a trabalhar com baixa temperatura, trabalhando mais artisticamente. Mas meu sonho sempre foi trabalhar com utilitários porque não trabalhava com alta temperatura. Então fiz aula com o Rui Gassen, uns três meses. Então a gente conversando, nós somos amigos, e ele começou a me incentivar a trabalhar com alta temperatura. E pra mim foi um boom, comecei a testar. Eu dizia porá ela “me passa as dicas!” – “não, vai pesquisar” ele dizia.

Foto: AP
Se tu for avaliar, o meu material tem bastante semelhança com o trabalho dele. Ele me ajudou a construir o forno. Eu fiz o projeto do meu forno em cima do projeto do forno dele, deu-me as dicas de mais ou menos como eu deveria construir. Daí comecei a provar e a testar, com muitos erros. Fiquei muito feliz quando antes dele viajar, eu já não estava tendo aula de torno com ele, ele foi me visitar e elogiou um monte a minha cerâmica, disse que eu estava trilhando o caminho certo. Quando ele foi embora me incentivou a fazer a triagem do Brique da Redenção. Graças à ele eu estou aqui. E agora tem muita gente que pergunta se é o material do Rui, se eu fui aluna dele. Na verdade ele foi meu mestre sim, com certeza. 

Depoimento gravado para o Projeto Brique da Redenção: Resistência e Diversidade Cultural em 05 de maio de 2013 

Artesãos Unidos pelo trabalho e amizade
Por Itamar Severo

Sidnei e Itamar Severo - Foto: AP
Comecei aqui em 1982 e foi de uma maneira bem engraçada. Bem diferente, porque se me basear pelo primeiro dia que expus aqui, nunca mais teria voltado, pois não vendi nada, nem um centavo, juro. As crianças eram pequenas, isso faz trinta anos, mas aí o seguinte: no outro domingo aconteceu de vender uns R$ 400,00, foi uma surpresa pra mim, o que eu ganhava na relojoaria era cinco vezes inferior a esse valor.

Eu já estava vendendo fora e não tinha essa dificuldade que se tem hoje para entrar na feira. Mas esse tempo todo eu não me arrependo de ter feito a feira. Entrei aqui e participei da Artefim com o César Coni. A gente batalhou para calçar aqui. Na época era areião. Os primeiros oito anos aqui foi em cima do areião, depois a gente calçou, batalhamos bastante vendendo caldo de cana cafezinho e melhorou muito, inclusive eu tenho uma foto com um amigo meu já falecido, o Sidnei com quem comecei junto na Rua da Praia. Nessa época também conheci o Panela (Paulo Viana, fundador) e o Jesus, que ainda está entre nós - no Brique.

Penso que vou trabalhar aqui até o dia que eu puder, até que Deus permitir. Criei meus filhos aqui (Israel e Patrícia). Consegui dar educação pra eles com o meu trabalho. É isso.

Um detalhe muito importante que eu esqueci de citar: eu nunca troquei de lugar. Hoje eu estou no mesmo lugar em função da vizinhança que a gente tem no Brique. O Javier, no Box 44, a Maria, no box 42, o Rolando, a Silvia, a Raquel e outros que já saíram. A união dos artesãos é o que mantém a força do Brique. 

Depoimento gravado para o Projeto Brique da Redenção: Resistência e Diversidade Cultural em 05 de maio de 2013 

DOMINGO DE REFLEXÕES
Por Carmen Lopez - Artesã 

São as seis. A tarde se vai em suave declínio.
Tantas vezes, vendo o dia morrer, eu me emociono. Lágrimas me assomam, dos meus olhos, contidas.
As árvores do parque, estáticas, permanecem, vencendo o tempo.
E eu estou ali, no meio delas, querendo aprender mais, amar muito, amar até vencer. Morrer amando! Mas não! Amar não é morrer, e sim, dar um passo para a eternidade.
Domingo ensolarado, no Parque da Redenção.
O Brique como se costuma dizer.
Relíquia do tempo, legado de pioneiros, figuras populares. Cartão Postal da cidade de Porto Alegre. Desde o meu estande de expositora observo.
Vendo passar tanta gente! É um povo, um êxodo. Eles vêm todos juntos, mas individualmente separados. Vem de todos os lugares. De perto, de longe, de outras cidades, de outros países, de outros continentes. São muitos, são todos. Olho para eles e me vejo em Israel, na Espanha ou na Argentina. Mas estou no Brasil, Brasil imenso. De doce idioma, albergando tantas línguas, tantas raças, costumes e maneiras.
Hoje é domingo, de sol resplandecente! A gente se diverte como o homem do gato, todo mundo ri. É o momento de maior descontração do Brique.
Logo as pessoas se dirigem para apreciar os estandes de artesanato, arte e antiguidades. Elas são numerosas ao longo dos canteiros. 
Representam um espaço cultural e também comercial, espaço de arte. Um lugar excêntrico, para escapar da rotina de todos os dias.
Um lugar para turista que chegou de passagem e se vai com tanta pressa que não espera até a segunda-feira. Mas encontra para sua sorte, algo tão bom para o seu lazer, algo que fala da cultura, da educação, das raízes de um povo. Do cotidiano, da expressão viva. Do folclore, magnífica característica de arte popular. Estampa e selo marcado o cartão postal de Porto Alegre.
Uma cidade chamada jardim.
Mas continuando minhas reflexões, penso na nossa longa caminhada.
Sinto que todos juntos ou separados, caminhamos. Vamos para a frente, para algum lugar, uma meta que queremos descobrir, encontrar.
E os meus pensamentos levam-me a pensar que não existem heróis. Só existem vencedores de uma luta sem tréguas e nem a derrota tem tempo de existir, porque essa luta é longa, sacrificada e contínua.
Isto, vejo expresso na imagem às vezes silenciosa de alguns seres que vejo neste parque grande, verde e espaçoso.
Aqui, tudo acontece, no Parque da Redenção.
O Brique, cita cabal de personagens, figuras divergentes, de uma composição sócio-cultural tão variada, que pode-se dizer que é, uma enciclopédia viva de livros, de autores, de artistas e escritores de tantas origens e idiomas que só pode comparar-se a uma enorme biblioteca aberta à curiosidade humana. Ao chamado do conhecimento profundo.
A sintonia dos ritmos clássicos e populares da música, que como torrente, se espalha pelos “senderos” do parque
Aos aromas, cores e sabores.
À vivência das realizações.
À opulência da riqueza e o poder.
Aos mais variados e diversos objetivos.
Às metas de trabalho e organização do indivíduo.
Às tristezas, à angústia ou à decepção.
À imoralidade, à impotência.
À miséria que se escapa de alguns rostos de expressão cansada, como a dos índios brasileiros, que olham para nós com indiferença, e permanecem ausentes e silenciosos como se falassem para dentro se perguntando o por quê? Das suas existências sacrificadas. Das suas vidas ignoradas. Dos seus meninos famintos.
Eles têm um espaço no Brique para vender seu artesanato, que pouco vendem e nunca alcança o benefício nem para o sustento.
Mas nem tudo é tristeza. Também há alegria.
Muita alegria!
Estão os artistas de rua, os que fazem teatro, música e paródias.
Eles são alegres, nos divertem por algumas horas.
Declamam, cantam. Nos mostram sua poesia.
Nos fazem sentir que a vida é bela sempre, e que vale muito vivê-la plenamente.
Que existem as crianças, os pássaros, as flores.
Que o seu sorriso é o reflexo de sua alma.
Que devemos deixar aflorar a criança ingênua que levamos dentro, para conseguir alcançar o estado de pureza e humildade que nos eleva a uma esfera superior.
Mas sigamos caminhando pelo Brique. Hoje é outro dia. A manhã convida. O céu azul sem nuvens.
Tudo é verde neste parque.
Os tons vão do mais claro ao mais escuro, mesclando-se um pouco ao vermelho da terra e ao marrom dos troncos.
Nesse momento está chegando um grupo de pessoas, vestidos como na Índia. São só Crishnas. Pertencem a uma congregação da filosofia Crishna. Cantam, correm e riem com uma euforia inexplicável. Mais distante, em outro espaço, o grupo do Sikuris, redobra com seus charangos, quenas e tambores. "O Condor Passa" e com ele nos transportamos à Cordilheira dos Andes. O coração se estremece, ultrapassando as montanhas, e junto ao condor majestoso, nosso espírito se eleva.
Mas há mais, muito mais para ver.
O Brique é uma sucessão de épocas, transportadas pelo tempo.
A capoeira, é pioneira de todas as épocas, como os teatros das faculdades que se apresentam aqui.
Mas atual e estabelecido quase permanente, é o homem do gato.
De humor acentuado, ele reúne uma quantidade de público bastante variado. Se divertem executivos, os profissionais de diversas áreas, as pessoas mais simples, as crianças e os anciãos.
Todo mundo ri e participa do seu teatro ao ar livre.
E vem mais reflexões, às vezes profundas e nostálgicas.
A sociedade dos poetas. Penso: Não podemos formar, lá com os grandes célebres que já morreram, mas sim com os que existem e permanecem ignorados.
Eles são uma espécie rara, uma partícula da estranha raça dos espiritualistas.
Nunca decaem, crescem!
São torrente, manancial inesgotável de onde emerge o ouro humano. De onde emergem os milagres. O milagre que converte as matemáticas em poesia. A poesia que faz girar o universo e todos os planetas.
Momentos de poesia. No Brique. Por que não?

Texto enviado para o Projeto Brique da Redenção: Resistência e Diversidade Cultural em 15 de maio de 2013 


O Brique oficializado, calçado e o protagonismo da Artefim (1)

Por Celso Roberto Schroder – Fundador da Feira

Da Informalidade para a Lei

DECRETO Nº 8.193, DE 20 DE MARÇO DE 1983.
Eu tenho um grande mérito aqui que é ter conseguido firmar o lugar da feira, porque umas das primeiras grandes lutas da Artefim, foi criar um Projeto de Lei que institui o Brique como um espaço público, cultural, mercado do artesanato na cidade de Porto Alegre. Nós estávamos aqui, e a Berenice (2) – a fundadora da feira – ela resolveu iniciar um movimento pra fazer a feira aqui no Bom Fim. Tínhamos que fazer uma inscrição na SMIC, tudo é através da SMIC, Indústria e Comércio, comércio de rua...mas aquilo não nos garantia a permanência no lugar. Podia a qualquer hora vir o prefeito e decidir acabar com a feira e dizer acabou. Era uma coisa do executivo municipal. Então a nossa primeira grande luta foi tornar ela uma lei municipal.

A partir daí, com a aprovação da Câmara dos Vereadores, a coisa já criava uma outra conotação. Conseguimos isso, inclusive o regulamento que está em vigor até hoje foi feito dentro da Artefim (3). Muitas reuniões, muitas discussões, todo mundo era chamado, todo mundo podia opinar, bem democrático. Um dos grandes méritos da Artefim que ninguém pode falar, porque todos foram da Artefim, todo mundo participou. Até para os adversários as portas estavam sempre abertas. Chamávamos assembleias, foi muito democrático. Foi uma época que nós tínhamos 90% da feira como associados.


O Caminho das Pedras

Outra grande luta - e essa comissão que está aí, esse pessoal, não reconhece - foi a do calçamento. Foi uma luta que há muito tempo nós vínhamos reivindicando. Passava de prefeito pra prefeito e a coisa era empurrada com a barriga. Isso aqui era chão batido, toda a feira. Então, domingo que nem hoje, isso aqui levantava um pó! Danificava o material, quando chovia era um barro e mal dava pra circular. Então era aquela luta. Eu fui presidente por duas gestões e já na primeira gestão eu comecei a encaminhar essa questão do calçamento. Como eu via que na prefeitura não tinha grandes possibilidades – a prefeitura nunca tinha recurso, daí, com um colega, nós tínhamos saído de uma reunião na SMIC, tratando do calçamento, novamente insistiram que não ia dar, nós saímos de lá, e eu disse assim: “Mário, quem sabe nós vamos na Secretaria do Trabalho do Governo do Estado?”. Porque eles estavam com uns projetos incentivando o artesão, “vamos, vamos dar uma passada lá.” Chegando lá era começo de um governo do PMDB, e eles estavam com um projeto, dentro da Secretaria do Trabalho: Programa de Iniciativas Comunitárias. Aí nós falamos com o cara lá, assessor do secretário, e ele disse “dá pra encaixar vocês nisso aqui. Porque dentro de um certo contexto pertence à comunidade do Bom Fim. Vocês como feira fazem parte da comunidade...”. Dessa forma conseguimos, conseguimos a aprovação.

Eles conseguiram recursos financeiros para o pagamento da mão de obra, mas o material, os paralelepípedos nós conseguimos também através do Governo do Estado, com a prefeitura também, porque eles tinham retirado os bondes da cidade, e tinha muito paralelepípedo lá no Cais do Porto. E eles disseram “vocês se servem lá, o que precisar de paralelepípedo pode pegar”. Aí o que restou pra nós foi comprar o basalto. Aí entrou o governo municipal, o arquiteto da SMAM, veio aqui, fez o estudo das árvores e tal, qual era a melhor pedra pra botar e tal, fora o paralelepípedo que conseguimos de graça, e seria o basalto esse aí, que absorve bem a água, não afetando muito a vida das árvores. Então foi tudo feito direito, ele fez o projeto, e a Artefim, por sua vez, começou a campanha pelo “calçamento já”. Isso tudo era para o primeiro canteiro, só, nós íamos fazer o calçamento só do primeiro canteiro. A campanha foi aumentando e nós conseguimos até a metade deste canteiro aqui. Pensamos, os dois primeiros canteiros vão ter calçamento e pra lá vamos ver se se consegue outro projeto, lá pros antiquários. Daí faltava recursos pro resto da feira e no governo do Olívio na prefeitura, que incrementou o calçamento do restante. Quem puxou a campanha toda foi a Artefim, nós fizemos camisetas pra vender, bonezinho, um monte de coisa. Foi uma luta, quando vieram as primeiras pedras de basalto eu subi no caminhão pra descarregar.
  
(1) Artefim – Associação dos Artesãos do Bom Fim.
(2) Berenice Aurora, junto de seu marido, Paulo Filber, foi fundadora da feira de artesanato em 1982 ao lado da feira de antiguidades, em funcionamento desde 1978.
(3) Criação do regulamento da Feira de Artesanato do Bom Fim em 1983.

Depoimento gravado para o Projeto Brique da Redenção: Resistência e Diversidade Cultural em 28 de abril de 2013 


Joca - O Artesão Metaleiro!

Chegando no Brique, Encontrando e Reencontrando a Boemia

Foto: AP
Eu comecei a frequentar a Redenção em 1984. Acompanhando toda boemia, o movimento da música de Porto Alegre. Daí me distanciei um pouco, em função do trabalho, não vinha muito pro bairro aqui. Em 1991 cheguei aqui pra expor no Brique, num ano como convidado e no seguinte já de titular.

No final da feira, que é o único dia que a gente pode dar uma saída, fazer alguma coisa, pois o trabalho envolve muito tempo,  eu sempre dava uma saída pelos bares aqui do bairro. Nesse momento acabei me reencontrando com todo esse movimento cultural em função da minha atividade no Brique.

Nessa época percebi que tinha muita gente que frequentava a boemia, os bares por aí, que eram colegas aqui do Brique. É uma coisa que se associa, essa coisa do artesão, que além de ter um trabalho que é dele, uma grana que é dele, de acordo com a qualidade própria, essa coisa de ser mais liberal e de frequentar esses lugares. Está associado, porque geralmente quem é artesão trabalha com isso porque gosta, porque é independente e gosta desses movimentos.

Então voltei a frequentar esses espaços. Mas claro, nesse momento comecei a ver isso por outro ângulo, com o lance mais profissional aqui do Brique. Eu tenho muita responsabilidade com meu trabalho, a boemia nunca interferiu, em primeiro lugar sempre o Brique, depois, meu happy hour, é a coisa toda ali.

Fase do associativismo

Depois de um tempo, eu estava a um ano e pouco aqui, tive oportunidade de fazer parte da Comissão da feira. Aí foi mudando minha visão, participando disso tu consegues perceber como funcionam as coisas. Isso aqui não é feito de qualquer jeito. Tem uma organização minuciosa de participação, de fiscalização, de tudo, a parte jurídica, temos que saber um pouco disso aí. Saber com o que se está lidando, atuar com o regulamento da feira mesmo. Isso serviu muito para crescer nesse ponto, sobre a preservação do Brique.

O orgulho que eu tenho da feira aqui, nesse tempo que eu participei da Comissão: eu tenho colegas hoje que estão dentro do Brique, que eram pessoas que estavam lá do outro lado. Eram pessoas que botavam suas coisas no chão e não tinham noção do processo. Então a gente chegava lá, com toda a educação, até pra saber. Alguns eram malandros e se faziam de bobos, outros não sabiam mesmo e tinham um material legal. Chegávamos ali e conversávamos, e os caras não sabiam que tinha que ter uma carteira de artesão, como é que se fazia, e muitos foram pelo caminho do processo certo e estão aí, são nossos colegas hoje. Outros saíram, outros também entraram, já participaram de comissões também, outros ainda encontraram uma veia para outro lado, que não o artesanato.

Trabalho e Lazer

Eu me acomodei nesse assunto aqui no Brique porque envolvia muito do meu tempo. Não quis mais participar de Comissão, não quis mais participar de cooperativa, eu fazia parte da Cooparigs. Não dá por que te toma tempo. Se não for pra te dedicares 100% do tempo não adianta. Tens que estar lá para representar o pessoal. Eu cansei, dentro da cooperativa mesmo, ter que ir duas, três vezes por semana em reuniões, ajudar a resolver isso ou aquilo, e para mim não adiantou nada. Me desliguei disso tudo em questão de tempo. 

De terça à sábado estou envolvido com a feira, com a produção. E claro, a gente tem uma produção limitada, vendas limitadas, temos só o Brique para a comercializar, mas a gente consegue fazer uma historinha legal. E assim foi, como essa participação estava tomando muito do meu tempo, acabou diminuindo o tempo de lazer. Mas em primeiro lugar a profissão. Não sei se eu ainda estaria na profissão se eu não tivesse este ponto, este lugar. É um lugar que te garante, não vais perder. Muitos acharam que estavam bem, com bastante cliente fixo, que não precisariam do Brique e acabaram tendo que retornar aqui pro Brique depois porque a tua janela é aqui. Embora se tenha divulgação na internet, sindicato e outras coisas, tu tens que estar aqui pro pessoal te ver. Se não estás aqui em pouco tempo tu acabas sumindo, acaba desaparecendo. E a possibilidade que tens, de fazer contato para vários lugares do mundo, que são clientes que compram do cara aqui e levam. Tem também artistas que compram aqui e acabam ajudando a divulgar.

Resgatando a Boemia e o Som Pesado

E voltando pro papo da boemia, já foi melhor, morreu muita coisa. Morreu o movimento do Bom Fim. Transferiram tudo pro Cidade Baixa e hoje não tem, fica meio nostálgico da época do cara mesmo. Hoje é outra geração, que não tem o mesmo charme que tinha da criação de todo o movimento. Porque Porto Alegre é uma história à parte. Existe uma cultura só daqui, musicalmente, independente do resto do Brasil. Muitos saíram daqui, desbravaram o mundo inteiro. Mas tem ainda essa gurizada, bandas como o Krisium, que se criaram nos bares aqui conosco e hoje é uma referência no mundo. Uma gurizada que se criou aqui no Bom Fim, com todas as dificuldades.

Foto:AP
Outras várias bandas, está aqui (na camiseta), hoje eu sou roadie deles, a Distraught. São uns caras que estão super bem cotados no Japão, na Europa, com cinco discos lançados, considerada a melhor banda do ano passado aqui. Outra banda de uns amigos nossos, a Hibria. Já fizeram três turnês no Japão e na China. E chegam aqui e os caras não têm muito reconhecimento aqui dentro. Mas lá os caras lotam ginásios pra ver essas bandas daqui. A gente têm exportado muita coisa de Porto Alegre. A cidade é uma referência musical para o Brasil todo e alguns estilos são daqui, criados aqui, em Porto Alegre. A gente não perde em estilo pra ninguém no rock, no heavy metal, de qualquer gênero, tem de tudo aqui.

Depoimento gravado para o Projeto Brique da Redenção: Resistência e Diversidade Cultural em 28 de abril de 2013 


Os Filhos do Brique
Relato da artesã Nara Regina

Meu nome é Nara. Eu comecei a fazer artesanato em 79 e não havia locais pra vender e eu fui até Salvador. Quando eu voltei de Salvador, a minha irmã me disse:

- Bah Nara, vai começar uma feira no Bom Fim, por que tu não vais e te inscreve?

Aí eu digo, olha, uma boa ideia hein! Bom Fim, achei legal. Fui até a casa da Berenice e do Paulão, eram um casal, para me inscrever. Daí éramos 15 artesãos, no domingo.

Lembro que tinha uma mesa, aquelas de sarrafinho, e a gente começou encostados na cancha de futebol e a bola caia na nossa mesa. Ficamos por ali alguns domingos e aí começou aquela função “porque esse lado é da SMAM e esse lado é da SMIC” e terminou que passamos pro lado da SMIC.  Foi aí que inciamos a divulgação da Feira de Artesanato do Bom Fim. Nessa época já existiam os antiquários, eles tem três anos a mais aqui, no mesmo lugar que eles estão hoje, há 35 anos.

Então, começamos a fazer a feira. Viemos para o lado da SMIC e eu fiquei, acho que uns dois anos, como titular, em um outro box. Eu fazia macramê, não vendia muito bem, meu filho era pequeno, e aí deu a louca, achei que com um emprego de carteira assinada iria ganhar mais. Fui trabalhar com carteira assinada e larguei a feira, perdi meu box. Comecei a trabalhar, meu filho já ficou um pouco mais independente, não mamava mais e eu “tá, vou voltar pra feira de novo”.

Voltei vendendo bala, vendendo pão para os meus colegas e acabei conhecendo o Álvaro, que é o dono desse box que eu tô hoje. Eu perguntei pro ele, "ô Álvaro, posso expor atrás do teu box?”. Eu faço cortinas e ele fazia lustres e abajures. Ainda havia aqueles bancos de cimento aqui na avenida e era tudo areião. Aí o Álvaro disse “não, se tu expor atrás, não tem problema”. E eu fiquei dois anos expondo atrás do material dele.

Foto: www.briquedaredencao.com.br
Mais tarde o Álvaro passou em um concurso e eu pensei “e agora?” – eu era auxiliar com direito à venda, modalidade que havia. Pensei “vou perder, vou perder, vou perder” e a Berenice disse “não, tu não vais perder, vamos fazer um abaixo assinado, tu és fundadora...” e fizemos o abaixo assinado. Eu sei que no fim nem precisou disso. Como eu tinha dois anos de auxiliar com direito à venda, o box passou automático pra mim. E eu fiquei titular, é onde estou até hoje. Meu filho tem 29 anos quase 30. Se formou na Ulbra, com a minha renda aqui do domingo.

Fiz macramê, não deu, depois, cortinas, muitos anos fiquei fazendo só cortinas, e depois eu fui para o vestuário feminino, é o que faço até hoje, que é tricô, crochê, tecido com pintura. Hoje o que posso dizer é o seguinte, pra mim sair da Feira de Artesanato do Bom Fim – porque ainda valorizo esse nome – só se for uma coisa muito melhor. Porque eu criei o meu filho aqui. 

Depoimento gravado para o Projeto Brique da Redenção: Resistência e Diversidade Cultural em 21 de abril de 2013

Cocada de maracujá 
Por Ana Maranghello

Bom, hoje é Domingo e Pietro, meu filho, já fez a tradicional pergunta:
- Nós vamos ao parque?

Foto:AP
Domingo de sol é sinônimo de Brique da Redenção e esse lugar já faz parte de minhas células. Sinto como se o Brique da Redenção fosse uma extensão do meu quintal. Sinto-me leve ao caminhar devagar, deliciando o meu olhar e aguçando os meus sentidos entre os estandes coloridos e os aromas que só no Brique encontro.

Para mim cada novo Domingo de Brique, é como se fosse a primeira minha primeira vez por lá. Meus olhos sempre brilham quando vejo toda a cor desse lugar, e me sinto misturada nessas cores, nesses sabores e olores tão peculiares, tão meus, tão nossos, e o encantamento é sempre o de primeira vez.

Há Domingos que vou ao brique, mais de uma vez. Vou pela manhã, tem uma luz especial, e algumas vezes resolvo dar mais uma passadinha à tardinha, para comer uma cocada de maracujá ou buscar algum regalo, pois é no Brique onde encontro os mais especiais. Bom aquele Domingo, foi um desses. Eu havia passeado com as crianças pela manhã, mas voltei ao Brique por umas 16 horas. Eu estava dando minha passada de olhos vagarosa, estande por estande, para mim um deleite, quando avisto aquele homem alto, forte, colorido de laranja. Ele também estava assim como eu apreciando e se deleitando com as cores e cheiros do lugar. Eu fiquei assim olhando, sem pressa, com a sensação de que o momento havia estagnado, fiquei assim parada no minuto olhando aquele homem colorido de laranja, fiquei olhando ele caminhar, assim como que encantada. Lembro-me de ter acompanhado com os olhos sua caminhada. Fiquei assim mirando até o perder de vista em meio aos outros laranjas, vermelhos e amarelos, fiquei olhando até o perder de vista no colorido e no burburinho do Brique. Ficou na minha memória o seu andar, vagaroso, um andar de deleite pelo Brique, um andar em paz. Meu olhos guardarão para sempre essa imagem do Marcelo Yuka, ex-baterista da banda O Rappa. 

Foto:AP
Logo após essa tarde de domingo, soube de seu acidente. Meus olhos guardarão o seu caminhar no Brique da Redenção, meus olhos não esquecerão seu passos naquela tarde linda, onde ele caminhava sossegado, de alma leve pelo Brique da Redenção. Foi a última vez que o vi caminhar. Mas que bom, foi tão belo, tão colorido, me trouxe tanta paz.

Bom hoje é Domingo preciso me apressar, meu filho Pietro quer ir para a Redenção, depois do almoço nada melhor que uma cocada de maracujá. Vamos para o Brique! 

Crônica enviada para o Projeto Brique da Redenção: Resistência e Diversidade Cultural por Ana Maranghello - Bacharel em Letras UFRGS - em 14 de abril de 2013

Brique Harmônico
O Músico Gaspo Harmônica vai pra Rua
“Acho que só quem já morou em outro lugar, que não tem isso, sabe o quão importante é uma cidade oferecer coisas desse tipo. Lugares onde as pessoas possam se encontrar sem ter que pagar para entrar”

Foto: Catia Assink/ AP
Eu comecei a frequentar o Brique da Redenção quando cheguei em Porto Alegre, em 99. Conhecia de nome, meus irmãos moravam aqui e me falavam sobre o Brique, que se tratava de um espaço de artes e tal. Frequentava muito o Brique, na época ainda era estudante, e domingo o cara tá mais sem fazer nada, tá por casa e tal. Saudoso do convívio familiar, dos churrascos, o cara acaba indo pra rua para ver qual é.

Aqui, em Porto Alegre, o Brique da Redenção é uma coisa única. Em outras cidades que morei não havia essa opção - alternativa de lazer aos domingos no mesmo lugar, no centro da cidade, onde qualquer um consegue chegar, botar sua cadeira na grama, enfim, um centro de convivência, uma coisa muito bacana, que eu passei a frequentar com certa assiduidade.

Foto: Catia Assink/ AP
No começo eu ia lá e nem tocava, ia pra passear. Encontrava os amigos pra tomar chimarrão e tal. Lá pelas tantas, começou a tocar um grupo, já tocava o Zé da Folha, e começou a tocar um grupo que era o Trem 27, cujo um dos fundadores era o Marcio Petracco e o Heine Wentz, violinista. O Marcio Petracco dispensa apresentações, é um artista muito reconhecido. Esse grupo tocou durante muitos anos lá, eu sempre ia vê-los. O Trem 27 acabou, mas um tempo depois, o Marcio Petracco e o Heine Wentz juntamente com o Rica Sabadini, Pedro Marini e a Cida Pimentel formaram o Conjunto Bluegrass Porto-Alegrense.

Eu passava no Brique e sempre via os caras tocar. Eles não tinham gaitista nessa formação. O Marcio Petracco sempre me chamava pra dar uma canja, às vezes eu estava passando, com a namorada na época, que até ficava meio brava, “pô o cara sempre some, viemos aqui passear e ele fica ali meia hora tocando...”. Pouco a pouco comecei a ir justamente para tocar. O Pessoal começou a me convidar de maneira mais oficial e durante quase dois anos eu participei dos shows deles como convidado especial, todos os domingos de sol, ali no Brique.

Lá pelo final de 2012, em novembro, por motivos pessoais, eles pararam de tocar no Brique da Redenção (O Conjunto Bluegrass atualmente está retomando suas atividades). E eu senti muita falta dessa coisa de tocar na rua, porque é uma sensação diferente. Eu diria que é uma arte mais direta e mais verdadeira. No sentido de que quando tu estás num palco, tocando - já toquei em grandes casas de show, enfim, nem sempre fui um músico de rua, costumava me apresentar em bares, teatros, ainda me apresento, em casas de shows - quando tu vais tocar numa casa de show, todo mundo já sabe que tu és a atração da noite. Tem um palco armado, cartazes, saiu teu nome no jornal, às vezes, no rádio.

Quando tocas na rua não tem nada disso. Na rua tu és um cara tocando. Não tem nada que diga para as pessoas que tu és um artista, a não ser a tua própria arte. Por isso, considero uma coisa muito mais verdadeira o que acontece na rua. Quem gosta, para, escuta, compra o disco, te dá uma grana, demonstra-se realmente interessado, exclusivamente por causa da tua música. Não tem nada mais que faça a pessoa parar, outro sentido, além da tua música. Não tem uma mesa para pedir uma bebida ou outros atrativos. Então, quando alguém interrompe o passeio para te escutar é uma coisa de verdade que está acontecendo.  Ao mesmo tempo tu não estás pedindo nada, quer dizer, tu dás a oportunidade à pessoa de fazer uma colaboração; vendes teu disco, mas tu não estas cobrando nada de ninguém para te assistir.

Foto: Catia Assink/ AP
É uma troca muito bacana, a pessoa pode te pagar com um sorriso, com um abraço, um aperto de mão, com qualquer coisa. Tem gente que deixa um pão de queijo ali, tem gente que te traz uma empada, um caldo de cana. Cada um ajuda da maneira que acha ser válida. Isso é muito legal, não é uma coisa capitalista, é totalmente alternativa. Faz bem pra quem tá tocando e pra quem tá escutando. A população ganha um momento de lazer, gratuito, sem precisar força nenhuma, isso é muito bacana.

Sendo assim, senti muita falta disso tudo, então em novembro de 2012, resolvi apresentar meu próprio trabalho, tocando violão, gaita de boca, cantando minhas músicas e vendendo meus discos no Brique da Redenção. Logo tomei coragem e fui pra Rua da Praia também. Agora me apresento na Rua da Praia e no Brique, mas o Brique é aquele espaço muito mais família, mais voltado para o lazer. É muito legal porque tem muita criança e muitos idosos. E as crianças são uma alegria completa, elas ficam dançando na frente, são muito espontâneas e é muito bacana isso.

Claro que não é tudo uma maravilha. O Brique da Redenção é um espaço teoricamente democrático mas às vezes gera certos conflitos. Todo mundo quer usar aquele espaço. Alguns para lazer, outros para trabalhar, como é o meu caso, os feirantes também. Isso às vezes gera conflitos pelos pontos. Tem coisas que poderiam ser mais organizadas num ponto de vista turístico e econômico, falta isso.  O Brique da Redenção, na verdade, independe da prefeitura. A prefeitura não é a responsável pelo Brique da Redenção, ela fornece o espaço, que é público, para as pessoas ocuparem em forma de associação. Mas acredito que falta aí algum acerto final para as coisas funcionarem direitinho. Principalmente no que se refere à arte, à música, problemas que envolvem equipamento de som. Isso é um pouco confuso, a maneira como funcionam as coisas no parque, acho que poderia ser de forma mais harmônica.

Fica aqui minha dica para que as pessoas tentem conversar, se unir, com o intuito de deixar o Brique um local cada vez mais agradável para quem frequenta. É uma coisa que poucas cidades tem. Uma coisa desse tipo, uma reunião tão grande de artesãos, de artistas de rua, de músicos, de teatro, de pintura, enfim, diversas artes num único espaço, muito bem localizado, num parque maravilhoso. Tem que ser muito valorizado na cidade. Acho que só quem já morou em outro lugar, que não tem isso, sabe o quão importante é uma cidade oferecer coisas desse tipo. Lugares onde as pessoas possam se encontrar sem ter que pagar para entrar, sem pagar para permanecer. Isso é de extrema importância, não só pelo aspecto do lazer, mas para a sociedade: as pessoas poderem se agrupar, se reunir, trocar ideias, observar os outros, acho que é muito importante. O Brique da Redenção é um patrimônio da cidade, tem que ser preservado e muito estimado por todos.



Depoimento gravado para o Projeto Brique da Redenção: Resistência e Diversidade Cultural em 13 de abril de 2013
  
Brique da Redenção, Catalunha
Por Paulo Rodriguez

Paulo Rodriguez - Arquivo Pessoal
Artesão Rui Gassen - AP
Há 21 anos sou um admirador do Brique da Redenção. Ia escrever frequentador, mas não sou tão assíduo. É incrível como os domingos têm-me reservado compromissos que, estes sim, não deviam ser frequentes. Mas que fazer, senão ir aonde não quero tanto e adiar o passeio na José Bonifácio?

A última vez em que estive, nem lembro. Talvez o Rui Gassen ainda expusesse por ali suas canecas. Lembram dele? Faz um tempinho.

Aliás, é sobre o Rui este texto. Aqui em nossa casa, temos uma coleção de cerâmicas dele, sobretudo na cozinha. São potes, saleiros, açucareiros, jarras e várias canecas que nos fazem tê-lo sempre na memória: na ponta da língua.

O Rui não está mais no Brique, mas na Espanha. Mora numa cidade... bom, numa cidade catalã, que sabe inspirar muito bem quem lhe pede inspiração. Estou, estamos, de prova. Em fins de janeiro, eu e minha esposa passeávamos por e lhe fizemos uma visita. Foi de um dia apenas. Após 30 minutos de trem, ele nos pegou na estação e nos levou a Mura, um pueblo que data do séc. IX, lugar que não tem mais que 120 habitantes.

Por umas boas horas naquele dia, matamos a saudade desse nosso amigo que conhecemos no Brique. No fim, ganhamos os cálices em que o vinho do almoço – na verdade um piqueniquefora servido.

Puig de la Balma: casa de 5 mil anos - AP
E, antes da volta, outro presente: o Rui nos levou a conhecer a Puig de la Balma. Segundo ele, “Puig” é “montanha baixa” e “Balma”, uma “reentrância na rocha”, algo como uma pequena caverna, muito usada na época da guerra civil espanhola como esconderijo. Ainda assim nos sentimos em casa. Naquela quinta, com ares do melhor domingo dos velhos tempos.





Crônica enviada para o Projeto Brique da Redenção: Resistência e Diversidade Cultural pelo escritor Paulo Rodriguez em 10 de abril de 2013


Sobre Amor, Arte e Café!
A história do Artista Plástico Marcelo Monteiro

Marcelo Monteiro e Vanessa Berg 

Foto: Samantha Berg
Numa tarde de inverno, eu sentado no meio fio aqui na Avenida do Brique da Redenção. A gente costuma, numa época do ano, colocar as cadeiras mais próximas do meio fio, pra pegar mais sombra, ou às vezes mais sol, quando faz muito frio. Então a gente fica afastado da banca, olhando, como de longe as pessoas observando o nosso trabalho. Numa tarde de início de maio, eu estava sentado ali, olhando meu trabalho de longe, aí parou uma garota, com óculos grandes e bonitos e uma mancha azul nos cabelos. Ela ficou parada com fones de ouvido olhando meu trabalho.

Estava de longe percebendo ela, que ficou, eu acho, uns 5 minutos observando meu trabalho. Até pensei que ela fosse uma emo, porque aqui, meu público, pelo menos naquela época, era muito da galera punk e emo, eu fazia muita caveirinha, gravuras mais hard, o que chamava muita atenção desse público. E aí fiquei na minha, vestindo minha toca e um cavanhaque enorme. Fiquei bem na minha até que ela começou a me procurar, ela estava buscando o dono da obra.

Nesse momento me aproximei e começamos a trocar uma ideia, ela tirou os fones de ouvido, eu tirei os meus. Eu também estava ouvindo o meu som. Começamos a trocar uma ideia e ela falou pra mim que trabalhava com moda, que tinha curtido minhas gravuras, que estava até pensando em inseri-las em alguma coleção. Me contou dos projetos e tal, e nisso se passou uma hora. Uma hora conversando na frente do trabalho aqui. Contou-me de seus planos, dos seus projetos com seres abissais, e eu também curto muito esse lance de seres abissais. Daí num determinado momento ela tirou os óculos e os olhos dela brilharam, brilharam demais, era um verde esmeralda muito brilhante. Eu me apaixonei naquele momento.

Acabou a conversa, ela saiu fora, naquela época eu trabalhava de gerente num café aqui na República, o Café do 8/2. Tinha muitas vezes que sair no domingo correndo pra abrir o café porque era um dia de muito movimento lá. E aí tá, expliquei pra ela, que eu tinha esse outro trabalho. Convidei ela pra tomar um café uma hora, e ela foi embora. 

Na sequência chega a minha mãe, que costumava passar nos domingos pra me ver, falar comigo, e aí eu comento com ela: bah conheci uma mulher sensacional, linda e eu acho que me apaixonei. Nesse mesmo momento, ela volta. Essa mulher volta, e me faz um convite pra sair naquela mesma noite, que tinha uma festa com lounge, jazz eletrônico e...daí eu lembrei ela que não podia, trabalharia e deveria abrir o café. Ela disse “tá, então beleza...”. Foi-se de novo, me deixou o telefone, disse pra ligar e eu disse “tá, beleza, tranquilo”. Daí ficou aquilo, minha mãe olhou, também achou bacana, bonita, enfim, aprovou. Sai daqui, guardei minhas coisas, fui trampar no café. Tô lá, no meio da muvuca, um monte de gente, eu servindo café, aí ela entra com uma amiga. Disse que desistiu de ir na festinha do jazz e resolveu ir lá tomar um café comigo pra me ver de novo. E aí cara, eu tô casado com essa mulher vai fazer cinco anos agora, a gente têm um filho de três anos e é o amor da minha vida, conheci aqui, no Brique.  

Depoimento gravado para o Projeto Brique da Redenção: Resistência e Diversidade Cultural em 7 de abril de 2013

2 comentários:

  1. Marcelo, que lindo! E pintou o quarto do filho de vocês com peixinhos e aquário. abração queridos

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  2. Muito bonita as histórias. O pessoal está de parabéns!

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